
Há vantagens em ter esta cabine telefónica mesmo aqui em frente do escritório: rapidamente me transformo, deixando para trás as calças pretas e a camisa vermelha, que substituo pela mini-saia estilo Morangos com Açucar, pelo top e, claro, pelo bikini. Hoje escolhi o preto.
Quando cheguei à praia, o mar revoltou-se só para mim. Ainda consegui ver a bandeira vermelha a ser asteada, como um sinal elevado bem alto. Ignorei-o. Tive apenas um bocadinho de bom senso, que me fez não mergulhar, para não molhar o cabelo: reentrar no escritório com ele molhado poderia levar à remoção da minha cabine telefónica.
Foi uma hora e meia fantástica. Sem vento, sem nuvens, sem gente. Só eu, o sol, o mar e a bandeira vermelha.
De repente, e sem aviso prévio, chegou o vento. Com força, como é habitual aqui no Guincho. Olhei para o relógio. Se o tivesse feito 5 minutos mais tarde, teria chegado atrasada. Agradeci ao vento o aviso e resolvi apanhar uma boleia sua até ao escritório.
Enquanto voava, ainda tivémos tempo para uma conversa:
- Sabes, quando alguém se afasta, é porque não gosta de nós na quantidade certa: ou gosta de mais, ou gosta de menos, disse-me ele, assim do nada, como que a ler os meus pensamentos que dançavam longe dali.
- E como é que sei se é de mais ou de menos?
- Não sabes. Nem interessa. A quantidade não está certa, é tudo o que precisas de saber.
Agredeci as palavras sábias e a boleia. Tínhamos chegado. Foi tão rápido!
Passei novamente pela cabine e entrei no escritório um minuto antes do patrão.
A minha camisa vermelha está a colar-se ao corpo, por causa do sal. Devia ter dado ouvidos ao mar, como ao vento. Se não posso confiar em mim e no meu instinto, tenho de aprender a ouvir os sinais que me enviam e a deixar-me empurrar e puxar pelas forças da natureza.
Amanhã trago o bikini amarelo.