sábado, julho 22, 2006
Foto: Haken Aker

Lembro-me de muito pouco. Recordo-me que vesti a minha gabardine (lá fora chovia a potes), que peguei no carro e fui o mais rápido que podia. Já estava atrasada para a consulta. Lembro-me também do Doutor me ter dito que o meu coração estava muito grande (nem sabia como eu tinha sobrevivido tantos anos assim) e que ia ter de operar de urgência. Lembro-me do olhar dedicado do enfermeiro, e depois só me lembro de adormecer. Desta vez não sonhei.

Acordei sozinha num quarto branco e senti-me pequenina e assustada. O médico entrou pouco depois, trazendo nas mãos um enorme alguidar azul. Sorriu e, mostrando-me o interior do alguidar, disse: " A operação foi um sucesso. Aqui está o pedaço que tirámos do seu coração".
Com algum receio, olhei bem para aquele pedaço enorme de carne e sangue. Era realmente grande (bem maior que a minha cabeça!), nem sei como cabia dentro de mim. No seu interior, estava tudo arrumadinho, e tu tinhas espaço de sobra para viveres bem. Lá estava o teu quarto, com o terraço grande com vista para o mar. A sala com a TV de não-sei-quantas polegadas e a playstation, ainda ligada e com a musiquinha irritante a tocar. Tinhas até um espaço pequenino, onde recebias os teus amigos e ficavam a tocar e a cantar pela noite dentro. Procurei em todos os recantos do pedaço que arrancaram de mim, mas não te vi.
Quando viu o meu olhar preocupado, o médico disse "Lamento, mas já não morava lá ninguém". Chorei.
Assustada, perguntei "Mas... tirou isto tudo?? Deve ter-me deixado um coração tão pequenino!".
Não sei se ele me respondeu, ou se se limitou a sorrir, mas eu ia jurar que ouvi dizer "não se preocupe. Ainda cabe lá uma pessoa. Só tem de ser magrinha e de se contentar com pouco espaço".

Foi assim que eu passei a morar no meu coração. Pelo menos agora não está vazio... e não saio daqui nunca mais. Nem que um dia me venhas pegar na mão e me convides para dançar.
 
By Joana @ 12:28 da tarde |


1 Notas com outras assinaturas:


@ 7/24/2006 11:05 da manhã,assinado por Anonymous Anónimo

Se outros escrevessem assim, lia muito mais.

Um beijo enorme